By colher-de-pau
Pensei muito antes de escrever este texto. Se o deveria ou não fazer. Apaguei-o e escrevi-o vezes sem conta. E o meu coração disse-me para o fazer. Porque acho que lhe devo isto.
Há muitos, muitos anos atrás, andava eu a dar os primeiros passos pela internet, acabadinha de criar um blogue de dietas numa altura em que os blogues eram anónimos e poucas eram as pessoas com blogues. Nessa altura, a publicar coisas mundanas sobre o que tinha comido naquele dia e a falta ou o exercício feito, e a receber comentários de incentivo e outros mais comentários e mails a perguntarem-me acerca das receitas que fazia e comia, dou por mim a pesquisar receitas e blogues e aparece-me o Elvira Bistrot. Até ao momento eu não sabia que existiam blogues de culinária. Pessoas que escreviam as receitas que faziam em casa, apenas e só porque gostavam de cozinhar.
Descubro o blogue da Elvira, e sinto-me em casa. Sei que foi por causa daquele blogue, e depois de outros que descobri por seu intermédio, que também decidi criar este blogue. Afinal as pessoas estavam sempre a pedir-me as minhas receitas. E foi assim que a Elvira entrou na minha vida. Através do écran de computador onde ia todos os dias, ou quase comentar “Que bela receita”, “Tenho de experimentar”, numa troca genuína que se fazia na altura entre “bloggers” de culinária, trocando mimos, porque antes de todo este fenómeno, quem seguia blogues eram outras pessoas que tinham blogues.
A Elvira já era “veterana” e “famosa”. Além do blogue em português mantinha outro, o primeiro, em francês, onde dava a conhecer a culinária portuguesa aos franceses.
A Elvira mulher culta, inteligente e madura. Percebia-se isso a cada texto, a cada palavra e nunca deixava de ter palavras simpáticas com as “miúdas” que estavam a surgir.
Durante todo o tempo que o blogue da Elvira esteve “activo”, nunca deixei de a seguir. Acompanhei a ida para os Açores, a doença, o divórcio. Falávamos por mensagens e por mail e um dia finalmente conhecemo-nos, nos Açores, na ilha que tomou como dela – a Terceira. Eu, ela, um Zé Maria bebé e o Miguel estivemos horas a conversar num pequeno café na Praia da Vitória. E foi bom, muito bom conhecê-la. Mantivemos sempre um contacto esporádico, A distância não ajuda. Soube do regresso da doença, e voltei a estar com ela quando veio a Lisboa para tratamentos. Foi logo no início do ano de 2017, em casa de uma amiga dela, ainda decorada com as cores do natal. Voltei a falar com ela só por mensagem, soube que não estava bem, da cirurgia que lhe removeu a alma de mulher e de como estava triste e desamparada. E soube este domingo que tinha partido.
A vida nem sempre é generosa para com todos. Os écrans de computador, as palavras escritas, a vida que se mostra nas redes sociais, nem sempre são tão cor de rosa, felizes e maravilhosas como alguns querem fazer ver. Todos temos problemas, frustações, dias menos bons. chatices, a cabeça cheia de coisas para resolver. Embrenhamo-nos nas nossas vidas, mostramos aqui uma parte, mas há outra que nunca ou raramente aparece.
Ninguém é perfeito, mas ninguém merece não ser feliz.
Acho que em algum ponto de todo este turbilhão de coisas más que lhe aconteceu a Elvira deixou de ser feliz. Deixou de acreditar. Deixou de ter forças. Mesmo que houvesse quem lhe desse a mão, não foi suficiente. O último texto que escreveu, a encerrar de vez o seu blogue mostra como estava triste e amargurada com tudo o que lhe tinha (e estava ainda) a acontecer.
Na hora em que li a mensagem a dar-me conta da sua morte, umas lágrimas teimosas caíram-me pela cara, e até acho que o meu coração parou por segundos porque eu não queria acreditar. Tinha-se fechado ali um círculo. A pessoa que indiretamente foi a responsável por eu ter criado um blogue, que durante tanto tempo me tinha inspirado, que me parecia sempre tão forte e determinada e senhora do seu nariz tinha desistido. A Elvira, dona de uma gargalhada inconfundível, e de um sotaque castiço já cá não estava, e não havia nada a fazer.
Se nunca tinham ouvido falar da Elvira, então não sabem muito de blogues de culinária, nem da “mãe” dos blogues de culinária portugueses. Vão até ao Bistrot (http://elvirabistrot.blogspot.com) vejam as receitas, levem algumas para fazer e sintam-se inspirados pela Elvira tal como eu um dia me senti.
Querida Elvira, onde estiveres, que estejas em paz.